Não. Eu não poupo a vida. Eu não me acostumo. Não acordo sobressaltada, vou de mansinho, ouvindo música. Não tomo café correndo, nem leio jornal no ônibus. Continuo andando a pé, interagindo com a paisagem de concreto do meu Belo Horizonte. Meu café? É demorado, enquanto passeio pelos blogs que me divertem e vejo as notícias do facebook, em tempo real. Tenho olhado muito para dentro de mim, agora que não tenho mais o céu da janela da Curitiba, mas abro mão, todo dia, de um pouco do meu egoísmo. O sanduíche no almoço agora é pressa pra retornar ao trabalho, de onde não saio, que continua indo comigo onde vou e nunca, nunca acaba e do qual eu gosto, cada vez mais. O ônibus que eu pego todos os dias é meu momento de viajar, de ouvir música e observar as pessoas, lá fora. Nada de cochilar. Não durmo sem ter vivido o dia, que de tanta vida me confunde no calendário. Meus sorrisos continuam, quase sempre, retribuídos. E as grosserias, agora, eu ignoro. Por saber que você vem, preparo a casa, perfumo o quarto, abro as cortinas pra nós, não me escondo de você. Continua sendo difícil me ignorar, e tenho até lutado contra o espalhafato que sempre faço. Não me acostumei a pagar por tudo e ainda faço, eu mesma, boa parte do que preciso. Não me acostumo à poeira cinza da poluição e sofro com o ar condicionado do shopping onde trabalho. Cheiro de cigarro continua me trazendo boas lembranças, de alguém que, a partir de amanhã, estará fisicamente mais distante. Prefiro sofrer a me acostumar. Deixo minhas dores sangrando e continuo prestes a me rebelar. Luto, brigo. Se eu chegar até a areia, vou mergulhar apesar de qualquer medo que possa me afogar. Cinema em casa é mais gostoso que o lotado, com edredom e namorado. Ainda gosto de ser pontual apesar de não saber da hora. Fins de semana não me consolam. Todo dia é dia de viver, de trabalhar, de dormir, de namorar, de beber e de me divertir. Já disse, EU NÃO ME ACOSTUMO. Continuo aqui, vivendo, apenas.